Circo Tradicional do Nordeste Resiste à Marginalização e Reinventa sua História

Relatório inédito revela os desafios e a resiliência dos circos itinerantes na era digital

27/02/2025

Por décadas, os circos tradicionais do Nordeste têm sido guardiões de uma cultura vibrante e itinerante, levando arte e encantamento a comunidades que muitas vezes não têm acesso a outras formas de entretenimento. No entanto, um novo estudo revela que essas trupes enfrentam desafios alarmantes que ameaçam sua sobrevivência. O relatório Fazendo a Praça: Existência e Resistência dos Circos Tradicionais do Nordeste, desenvolvido pela pesquisadora Ana Cristina Diôgo Gomes de Melo e financiado pelo Edital Retomada Funarte 2023, lança luz sobre as barreiras burocráticas, estruturais e sociais enfrentadas pelos circenses, ao mesmo tempo em que apresenta soluções inovadoras para fortalecer essa forma de arte ancestral. O Relatório tem a apresentação da Escritora e Pesquisadora Alice Viveiros de Castro e é dedicado a Ermínia Silva, que nos deixou em 2024.

Os bastidores da itinerância: um modelo cultural invisibilizado

A pesquisa expõe uma realidade preocupante: os circos tradicionais sofrem com a falta de reconhecimento por parte do poder público e da sociedade. Em muitos municípios, enfrentam dificuldades para obter terrenos onde possam armar suas lonas, encaram processos burocráticos exaustivos para conseguir alvarás e licenças, e lidam com o preconceito de comunidades que os enxergam como nômades indesejados.

“O circo é nossa casa, nossa vida. Mas cada cidade nova é uma batalha para conseguir um espaço para montar a lona. Muitas prefeituras dificultam nossa permanência, e às vezes somos expulsos sem justificativa”, relata um dos circenses entrevistados para o estudo.

Além disso, a pesquisa mostra que muitos artistas e gestores circenses são analfabetos ou têm pouco acesso à educação formal, o que dificulta ainda mais sua interação com o Estado e sua participação em editais e políticas de incentivo cultural.

Uma revolução digital para os circenses

Como resposta a esses desafios, o projeto Fazendo a Praça não apenas documentou essas dificuldades, mas também propôs soluções concretas. A mais significativa foi a criação da plataforma digital Fazendo a Praça, um site colaborativo que permite aos circenses compartilhar informações sobre terrenos disponíveis, oportunidades de trabalho, regularização legal e apoio mútuo entre as trupes.

“Esse site é um divisor de águas para nós. Agora temos onde procurar informações e nos organizar melhor. Antes, cada circo tinha que descobrir sozinho como resolver os problemas; agora, temos um espaço para nos ajudar,” comenta um dos secretários de circo que participou do desenvolvimento da plataforma.

Outra iniciativa inovadora foi a criação do grupo de WhatsApp Fazendo a Praça, que rapidamente se tornou um dos principais canais de comunicação entre os circenses nordestinos. A ferramenta permite trocas rápidas de informações sobre apresentações, regulamentação e infraestrutura, fortalecendo a articulação da categoria.

A alfabetização como caminho para a autonomia

Um dos achados mais impactantes do relatório foi a necessidade urgente de um programa de alfabetização para circenses. A dificuldade com a leitura e a escrita impede que muitos artistas tenham acesso a contratos, programas de incentivo e serviços básicos. Para enfrentar esse problema, o projeto recomendou a implementação do Círculo de Cultura Digital para o Povo do Circo, um programa de alfabetização virtual inspirado no método Paulo Freire, que valoriza a oralidade e a realidade dos circenses.

“A gente sabe fazer conta no papel, vender ingresso, mas quando aparece um documento grande, cheio de palavras difíceis, a gente se perde. Se esse programa sair do papel, vai ajudar muita gente a se virar melhor,” afirma um dos artistas entrevistados.

Reconhecimento e futuro

O relatório também aponta a necessidade de reconhecimento formal dos circos tradicionais como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, garantindo políticas públicas específicas para sua manutenção. Além disso, sugere a criação de um fundo emergencial para ajudar os circos em momentos de crise, como desastres naturais que danificam suas lonas e equipamentos.

Para a pesquisadora Ana Cristina Diôgo Gomes de Melo, o projeto vai além de um simples levantamento de dados. “Essa pesquisa deu voz aos circenses, permitiu que eles contassem sua história e apontassem suas necessidades. Agora, cabe à sociedade e ao poder público reconhecer esse patrimônio cultural e garantir que ele continue vivo.”

O circo tradicional, com suas lonas coloridas e sua arte centenária, segue resistindo. E, com o apoio de iniciativas como Fazendo a Praça, a esperança é que continue encantando gerações por muitos anos.

Acesse o relatório na íntegra:

https://fazendoapraca.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Relatorio-Fazendo-a-Praca-finalizado-1.pdf

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