Todo Dia é Dia de Circo: Cultura, Resistência e Justiça Climática
Celebrar o Dia do Circo é reconhecer sua importância para a cultura brasileira e reforçar a necessidade de apoiar os artistas que dedicam suas vidas a essa arte. Mais do que um espetáculo, o circo é um modo de vida, um patrimônio vivo que resiste ao tempo, ao preconceito e às dificuldades.
27/03/2025Por Cristina Diôgo

No dia 27 de março, o Brasil celebra o Dia do Circo, uma data que homenageia a arte milenar que encanta gerações com sua magia, talento e tradição. O dia foi escolhido em tributo a Abelardo Silva, mais conhecido como Piolin, um dos maiores palhaços brasileiros, nascido em 27 de março de 1897, em um circo na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. A data também faz referência à fundação do primeiro circo moderno, criado em 1768, na Inglaterra, por Philip Astley, um ex-militar que introduziu números de acrobacia e equitação na arena circular.

O Circo Brasileiro: Entre a Tradição e a Resistência
O circo no Brasil tem uma trajetória marcada pela itinerância e pela forte tradição familiar. De cidade em cidade, de geração em geração, os artistas circenses levam sua arte para comunidades onde, muitas vezes, o circo é a única manifestação cultural acessível. No entanto, os desafios são imensos. O fechamento de espaços tradicionais, a falta de políticas públicas específicas e a crise econômica são obstáculos constantes.
“Meu avô, meu pai e agora eu seguimos com o circo, mas está cada vez mais difícil. O público mudou, os custos aumentaram e o apoio quase não existe”, relata Consultinha, palhaço e dono de um pequeno circo itinerante no interior do Brasil. Segundo ele, a sobrevivência do circo depende de incentivos culturais e do reconhecimento da importância dessa arte para a cultura nacional.
Tradição Oral, Formação de Novas Gerações e Alfabetização Digital
Uma das maiores riquezas do circo é sua tradição oral. O saber circense é transmitido de geração em geração, dentro das famílias que vivem sob a lona. Crianças que crescem no picadeiro aprendem com pais, avós e tios os segredos da arte circense: a precisão dos malabares, a destreza da acrobacia, a delicadeza do equilíbrio e a comicidade dos palhaços. Esse conhecimento, passado de forma oral e prática, é um dos pilares da cultura circense e deve ser protegido e incentivado.
Além da importância da oralidade, muitas iniciativas surgem para fortalecer o ensino da cultura circense também fora das lonas. Escolas de circo, projetos sociais e oficinas de arte buscam aproximar crianças e jovens dessa tradição, permitindo que novos talentos surjam e garantindo que o circo continue vivo nas próximas gerações.
O Circo Escola Canoa Criança, localizado em Canoa Quebrada, Ceará, é um exemplo vivo dessa resistência. Além de formar novos artistas, o projeto busca inovar pedagogicamente, adaptando-se às novas tecnologias e às necessidades do mundo moderno.
“Muitas crianças que passam pelo nosso projeto descobrem talentos que nem imaginavam ter. O circo é uma ferramenta de inclusão, disciplina e arte”, destaca Rosangela Santos, educadora de um projeto de circo para jovens em situação de vulnerabilidade.

A inclusão digital, por meio do projeto ‘Círculo de Cultura Digital: Alfabetização para o Povo do Circo’, é uma iniciativa essencial para que circenses tradicionais superem o desafio do analfabetismo e se apropriem da escrita e da leitura digital, garantindo seus direitos e fortalecendo sua voz no mundo contemporâneo. Idealizado pela Socióloga Cristina Diôgo está a procura de apoiadores para tirar essa ideia do papel e vem sendo submetido a editais de fomento ao circo.
O Circo e a Justiça Climática
Além das dificuldades econômicas, os circenses enfrentam um novo desafio: a crise climática. O aumento das temperaturas, a escassez de água em algumas regiões e eventos climáticos extremos afetam diretamente a rotina dos circos itinerantes, que muitas vezes dependem de estruturas frágeis e se deslocam por longas distâncias.
“Nos últimos anos, passamos por tempestades que destruíram nossa lona, por secas que dificultaram o acesso a água e até por enchentes que nos obrigaram a mudar de cidade às pressas”, conta Dona Cida Vilar, gestora de uma companhia familiar. Para ela, é urgente a criação de políticas públicas voltadas ao circo e a programas que garantam apoio às famílias circenses diante dos desafios climáticos.
A injustiça climática afeta principalmente populações mais vulneráveis, e os circenses fazem parte desse grupo. Sem apoio, sem acesso a crédito e sem infraestrutura adequada, muitos circos acabam fechando ou reduzindo suas atividades. Uma política de justiça climática para os artistas itinerantes poderia incluir incentivos para o uso de energia solar, acesso facilitado a água potável e suporte para a adaptação das lonas e estruturas às novas condições climáticas.
O Circo Como Patrimônio Cultural Imaterial

O reconhecimento do circo como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil é uma demanda antiga dos artistas circenses. Assim como o frevo, o samba e o bumba meu boi, o circo representa uma expressão popular de grande relevância para a identidade nacional. Sua valorização é essencial para garantir sua continuidade, incentivar novas políticas públicas e promover a preservação de suas práticas tradicionais.
“O circo é mais do que um espetáculo. É uma forma de vida, um legado cultural que precisa ser protegido”, afirma José Alice Viveiros de Castro, militante e pesquisadora da cultura circense. Segundo ela, o reconhecimento oficial ajudaria a garantir linhas de fomento, incentivos fiscais e maior visibilidade para essa arte centenária.

Piolin: O Palhaço Que Inspirou o Dia do Circo
O Dia do Circo no Brasil é uma homenagem a Abelardo Pinto, mais conhecido como Piolin, um dos palhaços mais icônicos da história circense nacional. Nascido em uma família circense em 1897, Piolin foi criado sob a lona e desenvolveu suas habilidades desde pequeno, tornando-se um artista completo. Seu talento ia além do riso fácil: Piolin era acrobata, equilibrista e tinha uma inteligência cômica refinada, que conquistou grandes intelectuais da época.
O reconhecimento de Piolin não se limitou ao público circense. Sua genialidade foi admirada por artistas e escritores modernistas, como Mário de Andrade e Oswald de Andrade, que viam nele a essência da cultura popular brasileira. Seu estilo inovador e sua capacidade de se conectar com o público o tornaram um dos maiores palhaços do século XX.
Ao longo de sua vida, Piolin ajudou a elevar o status do palhaço no Brasil, transformando a figura cômica em um símbolo da criatividade e resistência do circo nacional. Seu legado continua vivo, servindo de inspiração para novas gerações de artistas e reforçando a importância da arte circense para a identidade cultural do país.
Homenagem a Hermínia Silva

É impossível falar sobre a memória do circo sem mencionar Hermínia Silva, historiadora e pesquisadora incansável da cultura circense. Ao longo de sua vida, Hermínia dedicou-se a registrar histórias, depoimentos e imagens dos artistas que fizeram do circo um dos pilares da cultura popular brasileira. Seu trabalho resultou em livros, entrevistas e pesquisas que garantem que a memória circense não se perca no tempo. Seu legado é um presente para as futuras gerações e um compromisso com a valorização dessa arte tão rica e significativa.
Celebração
Celebrar o Dia do Circo é reconhecer sua importância para a cultura brasileira e reforçar a necessidade de apoiar os artistas que dedicam suas vidas a essa arte. Mais do que um espetáculo, o circo é um modo de vida, um patrimônio vivo que resiste ao tempo, ao preconceito e às dificuldades. Ao homenagear Piolin, Hermínia Silva e todos os palhaços, acrobatas, trapezistas e malabaristas do Brasil, reforçamos o compromisso de manter essa tradição pulsante e vibrante.
Que o circo continue sendo um espaço de alegria, inclusão e resistência, encantando públicos de todas as idades e mantendo viva a chama da arte circense. E que, além do reconhecimento cultural, os artistas circenses também encontrem suporte para enfrentar os desafios da modernidade, incluindo aqueles trazidos pela emergência climática e pela necessidade de inclusão digital. Porque, no Brasil, todo dia é dia de circo!